Começo a entender meu ciclo circadiano. Em uma palavra: desregulado. Em várias palavras, ele não segue o ciclo terrestre solar. Durmo de dia e fico acordado à noite. Também conhecido como hábitos notívagos.
Não há problemas nisso enquanto as aulas não recomeçam (que, por falar nisso, já está na hora, viu?!). Mas há um problema. Meu cérebro não pega no tranco. Ele tem que esquentar primeiro. Começa devagar de manhã e a noite ele está ligado na tomada. Já ouvi o comentário dos outros professores que após a aula eles demoram a relaxar para conseguir dormir. Ótimo, já entendo o porquê de demorar para dormir. Mas por que sou tão lento de manhã? Falta de estimulantes? Nas férias eu geralmente não tomo café quando acordo, afinal acordo muito tarde para tomar café da manhã, então almoço. Não puxei minha mãe, que sempre acorda a um milhão de kilômetros por hora todo dia. As vezes acho que é só para me atazanar (não é possível alguém acordar falando 2000 palavras nas primeiras 3 horas da manhã! ahahah!). Como não tenho contato suficiente com meu pai quando ele acorda, não sei se o puxei.
Outra possibilidade seriam os pesadelos que estão acumulando. Pode ser que fico atordoado com eles, então o dia demora a começar. Geralmente não me lembro dos meus sonhos, mas os pesadelos são extremamente vivos. Por exemplo o de hoje. Foi um pesadelo duplo, num copo alto, com vodka de tão grande. Uma mulher loira, branca, de astonishing olhos azuis me procurou pedindo ajuda. E ela sumiu. Em seguida nós dois estávamos em frente a ela mesma... Foi aí que percebi que quem me pediu ajuda foi uma projeção dela, algo como o que entenderíamos por sua alma (ela tinha o contorno esfumaçado e perdia um pouco em consistência física). Quando olhei para o corpo dela, vi metade de seu rosto cheio de pústulas, meio deformado e avermelhado. A parte esquerda do rosto era assim, o olho baixo e preto, crateras na testa e bochecha e lábios inchados. O resto do corpo seguia o padrão. Mas quando olhei denovo, a vi normal, mas sem vida, como se houvesse um demônio nela. E eu o via.
Estávamos na frente de um portão gradeado entreaberto. Sua projeção (me recuso a chamar de alma) me indicou a entrar, mas ficou lá fora. Lá dentro encontrei um homem baixo, cabeça redonda e chata que tinha um nome... obviamente esqueci qual, mas era algo como Shabur, Shalmun, Shuman, sei lá. Olhos grandes, pretos e concentrados, mas pacíficos. Olhei denovo e vi sua real forma. Um demoniozinho, cara coberta de bolas vermelhas (como espinhas superdesenvolvidas). Enquanto andávamos por corredores superlotados de demônios de todas as formas, aparentemente em filas esperando uma função, ou absolvição, ou arrumando encrenca com outros, ou brincando como crianças levadas, perguntei a ele o que eu poderia fazer pela moça e ele me disse que não há muito, que eu deveria desistir. Tentei mais algumas vezes até prensá-lo na parede (morrendo de medo) e falar que eu iria ajudá-la. Ele então me disse que admira minha força de vontade e me passou umas palavras estranhas, como uma reza de apenas uma frase, ou um exorcismo curto.
Encontrei a moça denovo, a projeção estava tentando segurar o corpo para ele não fugir, mas ela estava ficando muito pálida, com olheiras profundas de cansaço. Então eu falei a frase e o demônio saiu do corpo dela e a projeção sumiu. Cara, ele era feio. Não me olhou, não me tocou nem nada, mas ficou um tempo parado, como que retomando forças para andar. Então ele se endireitou e eu pude vê-lo por inteiro. Marrom escuro avermelhado, com um chifre torto e quebrado ao meio, olhos pretos, a boca parecia de um bebê fazendo bico de pato. Pareceria hilário se não fosse tão temeroso. Ele sumiu.
A moça se levantou e agradeceu. Em seguida me contou que estava ouvindo música quando se sentiu estranha e se viu fora do corpo. Foi lá e colocou a música para que eu ouvisse. Era feita de sons graves e repetitivos, como Portishead em Wandering Star. Eu desliguei o som gritando para ela que esse tipo de música atraia os demônios e quando a olhei denovo ela já estava com o olhar vago e a metade da cara recomeçava a enrugar. Dei um tapa na cara dela, chamando-a de estúpida, que ela não podia fazer isso com ela... ela começou a chorar tentando controlar-se, mas já era. Ela já estava ficando perdida novamente. Em um momento de clareza ela apontou para frente. Me virei e vi uma outra mulher.
Meio gordinha toda de moleton cinza, acompanhando um cachorro parecido com um Beagle, também cinza. Só que ele estava andando ereto, nas patas de trás, completamente aéreo com olhos desfocados. A dona me disse assustadíssima que ele não estava respondendo, não parecia com o cachorro dela. Eu o peguei e ele nem me viu, mesmo olhando nos olhos. Coloquei-o no chão e tentei a mesma frase que falei com a loura. Se deus existisse, era um bom momento para começar a rezar. O que aconteceu foi apavorante. O cachorro começou a agonizar de dor, mas sem uivar como um. Ele soltou gritos muito graves e roucos, caiu no chão e abriu a boca em 180 graus. Tremendo por inteiro, as unhas pareciam com garras arranhando o chão e o ar. A boca parecia com a de um tubarão, projetando os dentes para frente em extrema agonia. Atrás dele vi um corpo masculino, definido, magro, pelado e com linhas meio horizontais marrons, se colorindo de vermelho sangue enquanto o animal se contorcia.
Eu estava tão absolutamente absorto no cachorro e com tanto medo que não levantei o olhar para ver o rosto do "homem" atrás dele. A dona do animal chorando copiosamente e eu vendo o tamanho da cagada que tinha feito ao tentar ajudar o cachorro. Talvez as palavras deveriam ser diferentes para bichos e humanos, talvez não existia ajuda, talvez meu ego tinha me ultrapassado.
Acordei suando, com calafrios e todo arrepiado, respiração ofegante e apavorado.
What the fuck was that???